Ontem caiu do céu
Do céu de sol dourado
Dourado que ofusca os olhos e faz esquecer
Esquecer o anteontem e todo o antes de anteontem
Pé no chão, chão de seca, seca que racha
Racha o chão e os sonhos do menino
que sonha inteiro mas quando acorda o sonho quebra
Quebra no meio e depois em pedaços
Pedacinhos que viram pó, como a terra seca
Pó que gruda na cara e faz arder os olhos
e que a lágrima limpa fazendo listras
Listras molhadas nas bochechas vermelhas
inflamadas, inchadas de choro e do tapa estalado
No menino, no irmão, na irmã, no outro irmão
do pai que sente raiva quando vê murchar
o boi, o bode, o pé de milho, de feijão
Chora de fome, mas bate de raiva
De querer verde e só ver marrom
E não sonha mais como o menino
que também sente raiva, mas não bate
Só reza e espera que o pó vire barro
que o caminho árido volte a ser rio
que o boi desencoste da árvore sem folhas
que o bode berre e o milho apareça
que as bochechas parem de latejar
Beberia suas lágrimas se fossem doces
Doces como as lágrimas de Deus
Deus, que só se lembrou ontem
E chorou sobre o sertão.